Após reunir informações sobre seu novo rival nas vastas estantes do deus do conhecimento, Virgo, recém-retornado ao mundo terreno, relatou a situação de Elai a seus companheiros. Segundo ele, a captura desse semideus do conhecimento é de prioridade máxima, pois ele é uma ameaça real a seus planos de atingir a divindade.
Enquanto Virgo se ocupava com o planejamento do futuro das pesquisas do monastério do saber, os outros não ficaram ociosos. Por exemplo, Lura rondou o interior, espalhando o desejo de se juntar à Senda da Alma Serena, ao mesmo tempo que Dilun, inspirado pela necessidade de captura de um semideus, sem permitir que ele morra no processo, criou um elixir de venenos e preservantes que tem o poder de deixar um semideus vivo em um coma sustentável.
Dravok se manteve ocupado com os deveres de rei, algo terrivelmente tedioso para ele, que adora conflitos. Por sorte, seu tédio não seria duradouro, já que pouco depois do retorno de Virgo, agora Devir, do Nexo, o Duque Miquaad relatou problemas na fronteira oeste, que faz divisa com a grande floresta, cuja população tribal fora dizimada por Dravok anos atrás.
O relatório do duque trazia uma informação no mínimo inusitada: a fronteira estava sob constante ataque de uma tropa de árvores móveis. Não era nada que um exército incansável de silenciosos não desse conta, mas conforme o tempo ia passando, os ataques se tornaram mais frequentes e eram executados em maior número. Prevendo uma escalada do conflito, o bom Duque achou por bem convocar a ajuda do lendário Legionário Fantasma, seu rei e soberano, o suposto Rei Dravok Garkan.
Dravok partiu em viagem até a fronteira, acompanhado de seus 3 companheiros semideuses, uma caravana de silenciosos e alguns membros do exército real. Foram quatro semanas de viagem sem incidentes. Chegando lá, o Lorde Miquaad os recebeu e mostrou a situação. Era uma cena de repetidos massacres, onde inúmeros silenciosos jaziam estirados por entre restos queimados de árvores cujas raízes pairavam no ar, limpas de terra.
A decisão foi de todos, cortar o mal pela raiz, se possível, literalmente. Somente os quatro semideuses, somados a cinco dos silenciosos de Dilun, foram em frente, floresta adentro. Aproveitando-se da condição do corpo de um semideus que não necessita de sono, comida ou água, eles se moveram na floresta por dias, avançando prodigiosamente.
Em tempo, após não encontrarem sinal desse exército de árvores motrizes, eles encontraram uma clareira, de onde decidiram criar uma provocação para atraí-las. Usando somente a própria força, sem ferramentas, Dravok puxava árvores da terra e passou a empilhá-las no centro da clareira, no formato de uma fogueira imensa, em que cada pedaço de lenha era uma árvore inteira.
Foi difícil incendiar aquela pilha de árvores frescas, mas com dois dias de insistência, eles conseguiram que o fogo finalmente pegasse na monstruosa fogueira. O pilar de fogo só não era maior que a torre de fumaça preta que penetrava os céus. Esse fogo ficou tão brilhante que Virgo imaginou que poderia ser visto por quilômetros e quilômetros, mesmo floresta adentro.
O sinal funcionou. Em pouco tempo depois de o terrível fogareiro ter atingido sua altura máxima, o grupo começou a sentir tremores rítmicos. Não como terremotos, e sim como os passos de uma criatura gigantesca. De além do horizonte apareceu a fonte desse caminhar: era uma tremenda sequóia de cem metros de altura, partida no meio na metade de baixo do tronco como se tivesse duas imensas pernas. Esse colosso se aproximava como uma lenta torre móvel.
Dravok, sempre impaciente, decidiu que não iria esperar esse titã chegar até eles e partiu floresta adentro, onde se deparou com o exército de árvores, essas de alturas normais, que partiram ao ataque contra o seu agressor. Dravok era familiarizado com combate contra várias pessoas ao mesmo tempo, porém o método que essas árvores usavam para atacar o pôs na defensiva: ele não estava sendo atingido, mas ao mesmo tempo, não conseguia brechas para atacar com sua força divina. Prevendo um impasse, Dravok deixou seu plano original de lado e retornou ao sinal de fogo do seu grupo, com o exército de árvores ao seu encalço.
Ao chegar à clareira, ele viu que seus companheiros não ficaram sem fazer nada nesse meio tempo. Eles aumentaram o fogo para atingir todo o redor da clareira, criando uma cerca protetora de fogo. Foi exatamente o que Dravok precisava. Com as árvores agora hesitantes em chegar perto das chamas, Dravok começou a derrotá-las uma a uma, a maioria com um simples soco no meio de seu tronco, partindo-as ao meio.
Onda depois de onda de árvores-soldado foram derrotadas por Dravok até que a grande sequoia chegou com seus passos trovejantes. Agora mais próxima de todos, e iluminada pela fogueira gigante, os semideuses conseguiram enxergar o verdadeiro culpado por esses ataques: um homem estava montado em um dos maiores galhos da sequóia, sem dúvida um semideus da natureza, de acordo com Virgo, cujo poder era de dar movimento às árvores, ou seja, a capacidade invejável de tornar uma floresta em um exército em um instante.
Com o novo alvo em vista, Dravok se apossou de uma das árvores derrotadas e, como se fosse um imenso dardo, a arremessou em um tiro impossível até o semideus empoleirado na árvore gigante. Por milagre, foi necessário somente um arremesso. A árvore arremessada atingiu e atravessou o semideus, que morreu instantaneamente. O exército, porém, não parou de se mexer. Não que isso tenha sido um grande problema, Dravok apenas continuou com a sua dose de guerra, terminando a batalha com um poderoso empurrão, para derrubar a sequóia ao chão, a qual se despedaçou em cima do restante das árvores soldado.
Lura parou para pensar sobre a causa disso, e Dilun mencionou que sem dúvida era retaliação do deus da natureza pelo massacre que dizimou as culturas tribais dessa floresta, que sem dúvida o cultuavam. Já se esse ataque seria apenas uma consequência isolada ou um sinal das coisas que estão por vir, ninguém ousou adivinhar.
Com sua sede por sangue, ou seiva, no caso, acalmada, era a hora de lidar com o problema chamado Elai. De volta ao seu monastério fortificado nas montanhas, o grupo se organizou para outra viagem, dessa vez para um longínquo reino ao sul. Eles iriam viajar com um grande destacamento de silenciosos e legionários fiéis a Dravok com o disfarce de que eram diplomatas de Garka, com a missão de espalhar a palavra da Senda da Alma Serena e do reino de Garka, mas sua missão real seria alcançar o semideus Elai, que residia em um vilarejo relativamente isolado, próximo ao deserto do sul de Pardoris.
Lura e Virgo aproveitaram a viagem, que durou vários meses, para fazer realmente um pouco de trabalho diplomático pelos pequenos reinos por onde passaram. Isso foi tanto para medir como estava a reputação de seu reino, como para espalhar as notícias de que Garka estava em busca tanto de mentes como de conhecimento, na forma de papiros e pergaminhos, prometendo cinco vezes o seu valor, caso fosse entregue na capital de Garka.
Fazia muito tempo que os semideuses não saíam de Garka em direção a outros lugares civilizados. E a diferença não passou despercebida. O impacto do sequestro das mentes mais brilhantes de Pardoris para o monastério dos estudos dos deuses era grande. Não se viam mais técnicas de agricultura que antes eram de conhecimento comum, as estradas não tinham mais manutenção pois o conhecimento de sua composição havia sido perdido, e os aldeões por onde passavam estavam em um estado generalizado de miséria, causado pela redução na produção de comida, e na capacidade de seus governantes de tomarem decisões sábias.
O contraste com seu reino era gritante. Em Garka, os campos eram cuidados 24 horas por dia pelos silenciosos: trabalhadores que não precisavam de comida ou descanso. A infraestrutura também era mantida impecavelmente pelos silenciosos, o que permitia um estilo de vida hedonista para sua população.