Nascido nas paredes pretas da mansão Picos de Obsidiana, em Baldur’s Gate, Toric deu azar de nascer tiefling em uma família extremamente pia. Sua pele era cinza como uma fogueira que já se apagara, e seus olhos, estranhos, com pupilas quase prateadas, mas ainda assim opacas, em sua testa pequenos projetos de chifre já brotavam, e na base das costas, uma cauda se contorcia em movimentos estranhos. Nasceu com saúde, pois chorou depois do parto, mas quem o acolheu não foi a mãe, que o olhava com desespero. “Essa coisa saiu de dentro de mim!?”
Como consequência disso, ele foi confinado desde criança, isolado no quarto mais alto da asa oeste da mansão para evitar envergonhar seus pais, por terem tido um filho meio demônio.

Imagem Original por CynicalStith
Seu quarto era o topo de uma pequena torre, um cômodo apertado com uma única janela gradeada, usado como armazém até o esvaziarem e o colocarem lá, junto de uma cama de palha e uns brinquedos velhos. Era alimentado pela ama de leite Devna, uma gentil senhora humana. Era ela a sua única amiga naquele quarto velho.
Ele passou a infância de modo solitário, somente interagindo com Devna e alguns dos filhos dos criados que conseguiam se esgueirar pelos guardas para ver a criatura presa na torre. As crianças se tornaram boa companhia depois que perceberam que Toric era uma criança como elas, apesar da espessa porta de madeira que os separava.
Jogavam jogos com regras sempre mudando, as tolas brincadeiras de uma criança. Acabara que ficou grande amigo delas, e sentia a sua falta quando partiam. Os anos passaram lentamente, nos quais aos poucos Devna ensinava o jovem Toric a ler e escrever. “Nenhum Armater vai ficar analfabeto enquanto eu estiver viva.”
Como já era certo, Toric não ficaria preso naquela torre para sempre, por mais que esse fosse o desejo de seus pais. Gorges, antes uma criança, agora quase um homem feito com seus 13 anos, acaba se tornando o seu melhor amigo. Foi ele que ensinou Toric a abrir a fechadura da sua prisão sem usar a chave. As antigas brincadeiras de andar silenciosamente pela mansão aos poucos evoluíram para um roubo de comida aqui, o sumiço de um colar brilhante ali... Não que Toric tivesse qualquer uso para nada disso, mas ele gostava do esporte. Devna, mesmo mais velha ainda o alimentava, trazendo restos da comida dos serventes do castelo, e lhe contando do mundo.
Mas Gorges era ambicioso, o rapaz era um humano esbelto, cresceu nas ruas de Baldur’s Gate, até ser pego roubando um filão pelo mordomo chefe da mansão e ser chamado a trabalhar, com direito a comida e cama. Mesmo com a mordomia de não ter que se preocupar com a refeição do dia, Gorges gostava da adrenalina de seus pequenos furtos, algo que Toric aprendeu rápido. Mal podia esperar pela próxima chance de sair escondido com seu parceiro de crimes.
Cada vez mais audaciosos, não ficavam presos apenas a própria mansão, mas eles entravam de fininho nas mansões de praticamente todos os casarões do bairro Manorborn.
Tudo ia bem, até que em uma noite que parecia uma qualquer, o par foi particularmente ganancioso, e tentou tirar um diamante de um busto incrustado com jóias da mansão dos Elkosts. O maldito busto caiu no chão e se espatifou, fazendo barulho o suficiente para acordar todos até as muralhas. Já com as mochilas cheias, os dois partiram em fuga, mas ao descer as escadas, Gorges olhou para Toric, e o empurrou escada abaixo. A queda desacordou o jovem tiefling.
Os Elkosts eram famosos por terem muitos membros da família na corte, e quando Toric, já com seus 15 anos, foi a julgamento, quase foi condenado à morte. Foi apenas por conta de uma intervenção de Devna que ele foi condenado a vida na prisão de Forte das Estepes. Sinceramente ele não sabia qual era pior… Pelo menos teria companhia.
A cela da prisão era ironicamente mais espaçosa que seus primeiros aposentos, e o pessoal de lá no geral não era tão mal. Vários punguistas, pequenos arruaceiros, alguns pregadores ilegais e até uns piratas formavam o grupo de pessoas que realizavam trabalhos forçados com ele. Aos poucos foi pegando seus maneirismos, aprendendo com suas histórias e recebendo lições dos mais pacientes.
O maior deles foi o amniano Armontes, o draconato duelista de escamas vermelhas, que foi preso por ter passado a noite com a esposa de um juiz. Ele era bem amigável, e, a pedidos de Toric, começou a ensinar a dança das lâminas ao rapaz. Toric aprendeu rápido, já que tempo era tudo que eles tinham, e os treinos eram intensos. O draconato, porém, não fazia isso somente por caridade. As suas segundas intenções foram claras desde o início: ele precisaria da ajuda de alguém que ele confiasse para conseguir escapar desse inferno.
Não demorou até que começassem a armar um plano de fuga. Pensaram em tudo com cuidado através de meses e meses, avaliaram várias possibilidades até chegarem em uma que fosse garantida. No fim, foram anos de planejamento até que eles chegassem a um plano final. Estava longe de ser perfeito, mas estavam sem tempo, afinal Armontes estava doente, e se continuasse preso, não iria sobreviver por muito tempo. Ele precisava de uma cura que jamais receberia enquanto encarcerado.
O primeiro passo era simples. Teriam que conseguir disfarces de carcereiros. Por sorte havia dois guardas novatos que seriam perfeitos. Ambos foram desacordados usando os pés de uma cadeira convertidos em porretes e sequentemente despidos. Toric e Armontes vestiram seus uniformes.
O próximo passo era causar uma rebelião, afinal eles precisavam do caos para os próximos passos. Foi relativamente fácil, se um tanto arriscado: um dos anões encarcerados havia se tornado o líder de uma facção de prisioneiros, então para provocá-lo no dia certo, bastou usar uma faca improvisada e muita paciência na noite anterior. Essa parte ficou com Armontes, suas mãos leves tinham décadas de experiência, então bastou meia hora para que toda a barba do orgulhoso anão estivesse por todo o chão. Havia dado certo, pois assim que nocautearam os guardas novatos, os ruídos de gritaria e violência já haviam começado pela prisão toda.
O terceiro passo era raptar o diretor da prisão, um verme nojentinho em forma de gnomo, sempre com seu bigode grisalho, fino e ensebado e sua cara de nobre repugnante. Fibnato era seu nome, e seu ego com certeza não cabia em sua estatura. Por conta disso, gostava de microgerenciar tudo na prisão, e era exatamente isso que seria sua perdição. Conforme previram, o diretor já estava na varanda de seu escritório com vista para o pátio, de onde rosnava ordens e profanidades. Toric e Armontes adentraram a sala do diretor que continuava a esbravejar. Disfarçados de guardas, mentiram que descobriram um guarda em coalizão com certos prisioneiros, que estavam a abrir uma velha saída para os mesmos escaparem. Foi muito fácil, com a desculpa de levá-lo até os guardas amotinados, nós o levamos até uma cela, onde já havíamos deixado panos e corda. O amarramos, amordaçamos e pronto, tinham o seu refém perfeito.